terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Por aí

Não quero nada de volta. As pessoas que deixei, as que me deixaram, as que deixamos e conquistamos a cada instante maluco. Tenho um pouco de mim em tanta gente que anda por aí. Como tatuagens internas, que só as pessoas com quem se convive sabem. Velhos amores, alguns dissabores, doces lembranças, dores diversas. Os amores se vão. Tudo se vai. O fim é o sempre. Absoluto como rei das coisas. Eu só acredito no fim. Com o resto, eu me viro, e vivo intensamente até chegar de novo ao novo fim. Mas eu me desenho eternamente dentro de você e você em mim. Mesmo que a gente saiba sobre o fim de tudo que há na vida. O fim e o ponto. E assim eu vivo: consumindo e sendo consumido. Até encontrar um fim que me baste.

Um nada

E quando, de um lado, a pele bate: corpo com corpo, rosto com rosto, boca com boca, sexo com sexo. E quando, de outro, a face se mostra: careta, estampada, desmarcada, despida de si, violável. O caminhar nem sempre é pra frente. A pele pode esconder o que está lá dentro. Há algo mais forte do que a extremidade. Um calabouço de sensações que se junta e faz o sangue fervilhar. Momentaneamente. É quando os olhos não enxergam mais. A cegueira vem confusa e atrapalha todo o resto. Engana quem quer ser enganado, deturpa o que mentia ter algum sentido. E quando meu jeito lhe foge. Eu sumo e deixo vagos vestígios. Não quero ser encontrado. Desisti de viver à deriva. Afundei em meu mar de pensamentos idílicos. Estou lá no fundo: escuro, breu, rasteiro, sorrateiro. A claridade me dói. O cheiro das rosas, aquele do campo onde andávamos, usurpou-nos. A paixão suave virou número fácil, recordação terna. O passado acumulou-se, lá no fundo; tornou-se escasso; presente guardado, novo e empoeirado. Nada ainda é demais. Aquele nada iludido. Realidade construída, moderna em excesso. Estou velho há mais tempo; tornei-me. Estou cheio de nada, de um nada cheio. Um nada meu, só meu. Nem tão simplesmente, talvez de repente. Mas um todo nada. Tão e somente.

Exteriorizar-se

Eu não me vejo pelos meus olhos. Não consigo mais me enxergar. Perdi meu reflexo. Agora sou caricatura de rua. Um desenho de mim mesmo. Agora estou cansado. Estou muito cansado. Sinto que estou engasgando. As palavras que não digo arranham minha garganta. As que digo, não fazem sentido. Estou perdendo os sentidos. Estou desorganizado por dentro. Parei de sentir. Parei de chorar. Parei de respirar. Parei de rir. Parei...parei...Estou me deixando. Tenho de me ver de fora. Tenho de ver o que não tem sentido em mim. E o que faz muito sentido. Quero um caos menos conturbado. Quero me poluir e depois me expelir pelos poros.

Teu corpo

A forma sinuosa do teu corpo é inevitável até para um pensamento vão. Contorno que marca, gosto que mata sem dor. Teu corpo se apresenta do jeito que eu gosto: desperto, despido, descoberto, faceiro. Impossível desgrudar do teu corpo. As mãos, as minhas, têm vontade própria quando tocam teu corpo: elas são a melhor expressão do que as palavras não podem provocar. Teu corpo é o esboço fiel da felicidade do corpo; de pelo menos outro corpo, o meu. Teu corpo é esnobe, é desfaçatez, é transgressor. Teu corpo não é minha paz, não quero que seja. Teu corpo é o canal por onde transbordo meu excesso de falta do teu corpo. Teu corpo é só teu, e por isso sempre o quero um pouco mais.

Hoje

Hoje deixarei que a vida faça algum sentido. Hoje formarei versos fáceis só para agradá-los. Hoje acordarei cedo e darei um beijo em quem estiver do meu lado. Hoje tomarei café da manhã e lerei o jornal. Hoje serei o mesmo de sempre e acreditarei que tudo é normal e tranqüilo ao meu redor. Hoje olharei a miséria e colocarei a culpa em alguém. Hoje caminharei pela rua e contemplarei a natureza que ainda me resta tácita. Hoje voltarei para o lugar onde nasci. Hoje serei a criança que um dia vi partir. Hoje serei qualquer coisa que os outros achem bonito. Hoje terei a cara de todos vocês. Hoje, enfim, não serei nada. Mas parecerei ser tudo. Como ontem, como amanhã. Todos os dias, todos iguais, que julgam não serem os mesmos. Hoje será sempre tudo igual a ontem, igual a amanhã, igual a você. Igual. Por mais que tentem ser diferentes. Hoje, serei assim. Amanhã, me reescreverei novamente.