segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Corpo

Histórias velhas. Quero me afogar nas ondas que já passaram. Nas marés que já desceram. Nos ventos que deixaram apenas rastros de sua fúria. Fotos não me bastam. Anseio vozes, rostos, gestos, toques. O sentimento é mais profundo quando nada fica. Partilhei um pedaço da vida para preencher o outro, que é vazio. Um espaço de tempo em que me encontrar significava não olhar para o relógio que marca a mesma hora todos os dias. Às vezes tenho vontade de reconhecer amores que deixei passar. Abrir os olhos para corações que maltratei. Ressentir-me da ausência de todos os amores que não conheci. Às vezes a vontade é de me somar, ser mais do que um, ser cálculo, ser ganho. Ao mesmo tempo. Mas estou perdendo as forças do corpo. Fumo um cigarro na janela entreaberta. Na noite, da pra ver melhor que a fumaça que se esvai parece levar consigo algo parecido com o que chamam de alma. Não sei. Não acredito muito nisso. Ela nunca se mostrou pra mim, a alma. A cada tragada tenho a impressão de que essa fumaça que ponho pra fora carrega um pouco da agonia que tenho de viver. Encolho-me no meu corpo. Crio uma prisão cujas grades são pensamentos aflitivos. Sinto a sensação de que grito por dentro. Algo em mim pede socorro. Mas meu corpo está surdo. Meu corpo só se expressa com palavras. Corpo de letras soltas e desejos atônitos. Corpo de amores escritos e pouco vividos. Corpo invisível e candente. Meu corpo verbo. Meu corpo antigo e passageiro. Meu corpo velho e rasteiro. Meu corpo carona. Corpo de espinhos. Meu corpo que agora enxergo exposto. Sem rosto, sem toque, sem gosto. Meu corpo miragem. Corpo translúcido. Meu corpo certo. Corpo de amores ligeiros. Meu corpo amante. Meu corpo faceiro. Corpo distante. Meu corpo atrasado. Corpo relutante. Meu corpo torto. Meu corpo, seu corpo. Nosso corpo. Enfim, um corpo. Sem alma. Só corpo.

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