sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Último pingo

O último pingo escorre pelo rosto cansado. Desce lento, contornando os olhos fundos e tristes. Cruza o canto esquerdo da bochecha áspera de menina envelhecida. Tudo em volta está seco. Só o último pingo se encarrega de dar vida àquela face jovem e transtornada. A pele tenta sugar, com todas suas forças, aquele suspiro sem ar. Em vão. O pingo segue a escorregar por entre as rasuras da tez sofrida. Aproxima-se da boca desidratada. Contorna o que um dia teve formato de coração vermelho. Passa pelo queixo marcado como a ferro de marcar boi. Pendura-se na extremidade baixa do rosto. Cai sobre o colo magro e de roupas esfarrapadas pelo tempo que não o dela. A menina ofega uma respiração temerosa, pressente que algo se encerra. A lágrima para. Fita-a, a menina. Não existe outra. Começa a evaporar. Olhos entreabertos. A lágrima se esvai, apaga-se devagar como o fim da fogueirinha de criança. Pálpebras pesam moribundas. O pingo seca. O corpo também.

Nenhum comentário:

Postar um comentário