terça-feira, 10 de agosto de 2010

Despercebidos

Eles são muitos. Estão em todos os lugares, nas pequenas, médias e grandes cidades. A correria do dia a dia, porém, faz com que muitas vezes se tornem invisíveis.


O município de Juiz de Fora, um dos maiores de Minas Gerais, em quase nada se difere de outros do mesmo porte. O centro, por exemplo, guarda personagens semelhantes aos de qualquer grande cidade do país. Com pelo menos 600 mil habitantes, é um caldeirão.

No calçadão, bastante parecido com a Rua da Praia, em Porto Alegre, milhares de pessoas caminham passos apressados como se estivessem a fugir de alguma coisa. Talvez estejam: das contas, da falta de dinheiro, da fome, do cansaço, da violência, da solidão. Só tentam: a realidade cotidiana as impede.

A diferença para o Rio Grande do Sul, no entanto, só existe mesmo no sotaque. Porque lá e cá, os papéis são os mesmos: há o pipoqueiro, o vendedor ambulante, os distribuidores de panfleto e a infinidade de pessoas que circulam e tocam suas vidas.

Moda de viola

Em meio ao corre-corre e a um calor de 30 graus em pleno inverno, um violeiro sentado na capa do violão entoa uma canção sertaneja em busca de alguns trocados. A voz é meio desafinada, é verdade, não o suficiente para deixar de atrair certa atenção.

Há quem passe, olhe e siga seu destino; outros param, ouvem a música por alguns segundos e também vão embora; existem pessoas, porém, que fazem questão de, além de apreciar a modinha, depositar no chapéu velho do cantor algo que, provavelmente, será sua refeição e, talvez, a de seus filhos também.

Vozes da rua

Do outro lado da calçada, a uns vinte metros do músico anônimo, uma menina grita as promoções da hora de uma loja de departamento. Loirinha, bonita, aparentando 20 anos no máximo, compete com outros anunciantes, que se aglomeram na tentativa de vender suas ofertas.

Meio rouca pelo esforço que tem de fazer com a voz, ela não descansa enquanto não convence alguém a entrar no estabelecimento. Afinal, esse é o seu papel. Mesmo que a compra não se concretize, conseguiu cumprir o trabalho para o qual fora contratada.

Rotina estressante de alguém que, sem dúvida, preferia estar numa universidade, mas, como grande parte dos brasileiros, tem de ajudar no sustento da família, deixando os estudos em último plano.

A melhor pipoca

Duas quadras depois, ainda no meio do turbilhão de gente, ouve-se uma voz com sotaque nordestino. É um senhor, com pinta de capixaba e devidamente uniformizado, que jura fazer a melhor pipoca de JF.

Ao menos quinze pessoas esperam pacientes numa fila para conferir, por módicos dois reais, a promessa do melhor produto da praça; perdão, da cidade. “Tem da doce e da salgada, venham experimentar”, avisa o baixinho.

Meninas de preto

Próximas ao pipoqueiro gente fina, duas meninas encostadas na entrada de um prédio conversam sobre as últimas novidades do rock intitulado de emo. Morenas, ostentam tênis de cano alto bem coloridos, cabelos com franja engomada e camisetas pretas com escritos de bandas norte-americanas.

Talvez não tenham a mínima ideia do que representa o conceito estético que tentam mostrar, mas uma coisa é certa: sabem na ponta da língua todos os sucessos das bandas Fresno, NX Zero e Restart, ícones no país do chamado rock com letras emotivas.

Vendo mas nunca terei

Basta circular mais um pouco e é possível ver em frente a um banco um senhor de cabelo bem branco a panfletar. Com semblante cujo desgaste da vida dura parece ter-lhe roubado anos, anuncia toda sorte de financiamentos, com débito em conta-corrente, para idosos e outras categorias.

Em bom tom, diz: “Temos financiamento para idosos, funcionários federais, estaduais e municipais. Descontos de até ‘tantos por cento’ e parcelamentos de até 60 meses. Aproveite”.
Um trabalho como outro qualquer, aparentemente. Desse ponto de vista, é sim.

Agora, será que ele tem noção de que tudo que está tentando vender é o que provavelmente nunca terá? Vivendo de bicos, ao que tudo indica, todavia não deve ter se aposentado; portanto, sem renda, sem acesso a crédito.

Além disso, como também não deve ter tido oportunidade de estudar, provavelmente nunca será um funcionário público federal, estadual ou municipal. Uma contradição necessária, digamos.
Você deve estar se perguntando qual é a novidade disso? Nenhuma, digo. Os exemplos não são novos, para quem conhece a rotina atribulada de uma cidade grande.

A questão, porém, é que essas pessoas, como milhares por aí afora, seja nos confins do Nordeste ou numa fazenda no interior do Rio Grande do Sul compõem o conjunto de uma população que, mesmo muitas vezes despercebida e na informalidade, é a cara do Brasil que se vira.

Com suor, muito trabalho e vontade de viver, esperam um dia ter algo melhor. E reforçam ainda mais aquele slogan que diz: “Sou brasileiro, não desisto nunca”.

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