sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Livro velho de algo novo

Ganhei um livro velho. As coisas antigas guardam consigo uma história que pode um dia ser a de qualquer um. Trágica e interrompida. Ou mágica e leve.
Um livro novo é para aqueles que ainda nem sabem que poderão se apaixonar. Soa mais como um simbolismo, apenas um presente, um agrado, do que um afeto. Sequer precisei saber seu conteúdo. Ele já veio como uma vida aberta.
As folhas amareladas, como que roídas por traças, são como as brigas, as maledicências e os ruídos das relações. A capa dura e grossa me faz lembrar de uma canção de principio, daquelas que ficam guardadas pra sempre na memória.
Ao folhá-lo, exala já no inicio o mesmo cheiro do armário do quarto antigo da avó. Um quarto cujos móveis foram talhados por um artesão que amava o que fazia, mas que, agora, foi substituído por uma máquina sem pai nem mãe.
As bactérias de cada página têm quase o mesmo sentido que as marcas que deixamos nos corpos depois de uma noite de amor insano. Sugerem as lambidas e mordidas que lhe dou e que pintam o seu corpo, numa transparência sutil que só eu vejo, até que outra boca, mesmo que brevemente ou para sempre, tente apagá-las.
A estante onde guardarei o livro que me deste formará, junto com ele, o casal que idealizamos ao ver um retrato perdido numa loja de artigos raros e caros.
Não terei coragem de me desfazer da poeira que cobre as entranhas desenhadas com maestria na capa. Ela também pertence às pessoas que trouxeram de um passado distante ou próximo as lembranças, decepções ou alegrias de algo que talvez pensassem ser eterno ou que lhes bastasse durar um dia que fosse.
A dedicatória, num cantinho e em baixo no lado interno da capa, acompanha várias outras. Fundem-se como o sexo que fazemos, carregado de impressões e sensações de outros tantos que fizéramos antes de sermos isso que não precisa de nome.
Em poucas letras, escreveste: quero-lhe, como a este livro. Suas palavras, que parecem estar há séculos depositadas ali, bastaram para eu entender que a sua vontade – que também é a minha – era poder reescrever o que nos é recente, na tentativa não tão vã de que, no devaneio de um lindo sonho, estivéssemos ligados um ao outro desde que o livro fora escrito.

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