segunda-feira, 17 de maio de 2010

Comida de vermes

O motel velho de beira de estrada dá o aspecto de um lugar onde o desenvolvimento é palavra corrente só em telejornais. Um letreiro informa os valores: R$ 20 o pernoite e R$ 8 por três horas. Final de tarde na cidadezinha de pouco mais de mil habitantes. O quarto de número 12 está fechado. O proprietário – um gordo, de bigode avantajado, calçando botas de cano longo, sem cadarço, e calças velhas - não registrou os últimos hóspedes. Perdeu o livro em que anotava o nome das pessoas.


Dentro do 12 há algo que transpira ares de putrefação. A camareira é mandada para verificar se os hóspedes querem que o quarto seja limpo. Sente o odor apenas ao caminhar pelo corredor. Chega a ficar tonta quando se aproxima da porta. Tenta abri-la com a chave. Não precisa. Está encostada. A luz está queimada. Tem dificuldade de enxergar. Tenta o abajur. Nada. Percebe a sola do sapato grudar-se ao chão a cada passo. Não agüenta ficar mais um segundo. Está com nojo. E medo. Sai para buscar uma lanterna.

A noite chega. Resolve levar o gordo consigo. Ele diz que não pode deixar a recepção. Ela insiste. Ele cede. Leva na boca uma coxa de galinha frita. Os pêlos do bigode brilham de tão engordurados. Devora o pedaço de ave com apenas duas dentadas. Joga o osso fora.

No caminho ela diz ter algo de estranho no 12. Ele afirma realmente não ter visto mais o casal que se hospedara havia horas. Deviam ter saído para visitar as cidades das redondezas e esqueceram de deixar a chave, acredita. Ela acha que não. Continua a suspeitar de que boa coisa não era. Chegam.

O forte cheiro faz embrulhar o estômago do gordo. Ela traz a lanterna em punho. Adentram. Os narizes tapados. Ela ilumina a cama de casal. Vazia. Ilumina o chão. Há vestígios do que parece ser sangue. Ele pega a lanterna. Dirigem-se ao banheiro. Também vazio. Naquele momento, pensa ele, a sensação é pior do que estar num chiqueiro. Algo apodrecera ali. Ele ilumina o criado-mudo. Uma faca com sangue. Pensam em ligar para a polícia. Primeiro preferem vasculhar a pequena cozinha.

Antes, porém, ouvem um barulho. Voltam. Duas pessoas abrem a porta: um homem e uma mulher. Ele coloca luz na cara de ambos. Gritos tomam conta do local. Assustam-se. Parecem ser os hóspedes. Não há certeza. Ele e a camareira estão cara a cara com os “quase” mortos ou “assassinos”. O rapaz e a mulher tentam explicar a situação. Acalmam-se. Ele apenas cortara-se ao tentar desencapar o fio do abajur na tentativa de consertá-lo. Correram para o pronto-socorro, que também é hospital. Tiveram de ficar horas. Mas ainda havia um mistério, pensa o gordo-bigodudo.

Pergunta-lhes sobre o cheiro. O casal também não sabe. Vão à cozinha novamente. É de dali que vem o aroma fétido. Moscas sobrevoam; fazem muito barulho. O gordo está com ânsia; acha que vai vomitar. Prende a respiração. Direciona a luz da lanterna à bancadinha próxima ao fogão de duas bocas. Veem diversos insetos alimentar-se de restos de um frango. Ele vomita. Vai demorar a comer de novo aves e assemelhados.

À frente do motel uma nova placa. Que diz, em letras maiores até que o preço da estadia: - Proibido deixar comida no quarto.

Conto escrito em junho de 2008.

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