segunda-feira, 17 de maio de 2010

Foi a vela, não eu!

Você, caro leitor, já foi acusado injustamente de ter posto fogo em algum lugar com uma vela de aniversário? Pois é. Eu já fui. E lembro bem disso. Devia ter uns 10 anos. Morava no Scyla Médici, conjunto habitacional de oito prédios e centenas de apartamentos quase ao lado no estádio do Guarany Futebol Clube.

Era maio. Inicio da tarde do dia 8 ou 9. Meu irmão, um dia ou dois antes, fizera dois anos de idade. Com direito a festinha no salão do complexo e tudo mais. Aquela época era comum reunir vizinhos e familiares e se empanturrar com doces, salgados, bolo e dançar muita lambada. Isso mesmo, lambada: cito Beto Barbosa, Kaoma e outros artistas com nomes estranhos que, não se sabe como, trouxeram esse ritmo dos confins da Amazônia. Mas voltemos à vela. Ah, a maldita vela!

Em casa, brincava eu com a tal vela, ainda meio suja de bolo, que sobrara do niver do mano. Ascendia, assoprava e apagava a vela; ascendia, assoprava e apagava a vela. Coisa de criança. Mas não era um santo, definitivamente. Mas tinha dez anos, convenhamos. Como todo piá, logo, logo cansei de brincar com a vela. Tinha outras mil coisas pra fazer naquele dia.

Pela ultima vez, ascendi, assoprei e apaguei a vela. Saí do quarto. Antes, porém, bati na vela sem querer. Sem notar, ela caiu acesa atrás de uma cômoda que dividia minha cama do berço do meu irmão pequeno – e único - e pegou fogo na cortina, espalhando-se em seguida por todo o quarto. Meu primo quem descobriu as labaredas. Fora me procurar em casa. Quando perguntou a minha mãe onde eu estava, disse ela: “Acho que está no quarto”. Ele abriu a porta e deparou com o fogaréu. Calma. Meu irmão não estava no berço. Até hoje minha mãe insiste em dizer que sim. Mas ele não estava, juro que não.

Sem saber de nada, fui fazer o que tinha de fazer. Era um adolescente atarefado: jogava futebol, brincava de pega-pega, batia em alguns garotos, paquerava as meninas. Mais tarde, ainda perto de casa, ouvi gritos. Vizinhos corriam em direção ao prédio em que morava. “Fogo, fogo”, gritavam. Fogo, pensei eu!. De onde? Tenho de ir lá ver. Ao chegar próximo do prédio, constatei que o fogo vinha de minha janela. “Como diabos poderia estar pegando fogo no quarto e por quê?.

Ocorreu-me, naquele exato momento, lembrar da vela, com a qual brincara poucas horas antes. Só podia ser por causa dela o fogo. Lógico. Entrei em pânico. Temia que, como de costume, a responsabilidade caísse sobre os meus ombros. Mais especificamente sobre ombros, pernas, braços: afinal a mãe sempre me batia quando eu fazia algo de errado. E quando não, também. A fama de mal feitor me perseguia. Sem méritos, pelo que lembro, mas perseguia.

Prevendo o que me esperava, corri para o primeiro edifício do condomínio, que ficava bem longe do meu. Subi quatro lances de escada e escondi-me no último andar. Subi a pé; sequer havia elevador. Fiquei lá por mais de uma hora. Sorte que não subiu ninguém naquele andar enquanto eu estava. Pela minha cabeça, passavam-se várias coisas: Como será que vou apanhar? Pelo grau do acontecido, minha mãe vai de me bater de chinelo, tamanco ou com um pedaço de pau? Restava esperar. Deixei calmar a poeira e desci para ver a repercussão. Estava assustado. Mais do que perder tudo do quarto, o que parecia ser óbvio (havia bombeiros, gente atirando água de balde e o escambal), amedrontrava-me a represália. Na verdade, a adiava; ela era inevitável àquela altura.

Quando descia em direção ao meu prédio, já desolado, avistei de longe pessoas a apontar em minha direção: “Lá está ele, lá esta ele”, diziam. É o meu fim, pensei... Tudo resolvido, fogo apagado, susto passado, cheguei em casa. A desculpa na ponta da língua, disse, sem tergiversar: “Não foi eu, mãe, foi a vela”. Ela me abraçou. E chorou...

Texto publicado no Jornal Minuano, de Bagé, em janeiro de 2008.

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