quarta-feira, 12 de maio de 2010

Onde estão os campinhos de futebol?

Nas andanças pela cidade tenho percebido, há tempos, algo que tem me feito pensar e ao mesmo tempo lembrar da infância: onde estão os campinhos de futebol, se a tradição e a paixão pelo futebol, no Brasil, continuam as mesmas? Pois é. Não sei. Talvez eles ainda existam, talvez eu que os esteja notando menos. Talvez.

O local onde morei por muitos anos, por exemplo. Na esquina havia um campinho. Nele, a gurizada e eu jogávamos todas as tardes. Faz um tempo transformaram-no num estacionamento. Mas ainda existem crianças ali. Ah, esqueci: elas devem estar jogando nos campos artificiais, os chamados soccer ou futebol sociate, enfim, têm vários nomes. Sei é que não deixaram de jogar futebol. Quem sabe trocaram pelo computador ou vídeo-game.

À exceção da várzea, que ainda cultua o futebol nos bairros, as peladas em campinho de areia ou grama estão quase em extinção. Alguns falam que é a violência; outros atribuem à internet. Pode até ser. Prefiro acreditar que a criançada continua a jogar, só não vejo onde. Até porque as de menor poder aquisitivo, digamos, sequer têm acesso a essas novas formas de praticar o esporte. Naquela época não havia divisão de classes quando se tratava de futebol.

Quando estudava pela manhã eu jogava à tarde. O inverso se deu quando passei a estudar de manhã. Esperava minha mãe ir trabalhar e correndinho juntava a turma e bora pro campinho. Lembro que ao término dos jogos saía imundo: suado e sujo de terra. Mas contente. Em algumas situações minha avó tinha de me chamar. Ela gritava, com sotaque espanhol, embora falasse na verdade portunhol: “Daniêl, daniêl!”. Por mim ficava o dia todo. Todos os dias. Ao chegar em casa almoçava, tomava banho e ia à escola.

Na volta, adivinhe: campinho, claro. Tirava o uniforme – quase como uma alforria -, colocava um calção, a camiseta do grêmio (na época ela era de uma espécie de lã) e, para arrebatar, o tradicional quichute. Eu sei, não era tão rápido assim: levava um tempinho fazendo mil e quinhentas voltas no tornozelo com o cadarço do quichute para deixá-lo bem apertado. Em seguida, pegava a bola e rapidamente dirigia-me ao campinho do condomínio.

Um campinho bem simples, é verdade: ondulado, cheio de buracos e com as traves feitas de cana, ou bambu, se preferirem. Havia dezenas na cidade melhores do que aquele. Mas não precisávamos de muita pompa. A alegria estava em jogar. Pouco importava o local. O resto era o resto.

Dependendo da época e do campeonato eu era o Sócrates, o Romário, o Renato Gaúcho. Em copas do mundo volvia a ser o Romário, Toninho Cerezo ou o Branco. Às vezes quando dava uma de goleiro incorporava o Pumpido, da Argentina. Variava. Nunca o Carlos, pra quem lembra dele. Que desastre!

O nosso mundo do futebol era esse. Havia também os álbuns. Completei todos do Campeonato Brasileiro e o do Ollé, este continha a seleção brasileira de 1990, se não me falha a memória. Comprava toda a mesada de pacotinhos de figurinha. O Giovane, do Vasco, estampado numa figura meio amarelada com defeito de fabricação era o mais fácil de se tirar: estava em praticamente todos os pacotinhos. Quando não as trocávamos com os colegas, brincávamos de jogar bafo – acho que não preciso comentar o que é. Sempre me dei bem nessa modalidade, diga-se.

Dia desses, num bairro que se pode chamar de periferia, vi dois gurizinhos batendo uma bolinha. Parado, de dentro do carro comecei a observá-los. Fiquei uns cinco minutos fitando-os. Uma vez para cada um ficar no gol. Brigavam. Queriam impor suas vontades de quem seria o melhor, quem seria o Ronaldinho Gaúcho, o Kaká...Dez anos no máximo tinha cada um deles.

Em vez do campinho, uma quadra de cimento. A bola parecia ser das boas, diferente das que usávamos em outros tempos. Em vez do quichute, quatro chileninhos protegiam os pés. Fácil de se machucar. O futebol, o mesmo de sempre. Os personagens, também. Mas as roupas estavam aparentemente limpas: sem vestígios de barro ou pó, provavelmente ainda com cheiro de amaciante. E o campinho: mais uma vez não estava lá...

Crônica publicada no Jornal Minuano em 2007. Mas ainda vale. Sobretudo em tempos de copa.

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