sexta-feira, 7 de maio de 2010

Não tenho mais papel

Ainda escrevo. Apenas troquei a folha em branco por uma luz também branca com formato semelhante ao do papel, só que ligada na tomada. Não uso mais borracha; não uso mais lápis ou caneta. Aperto um botão e pimba: está tudo ligado, como num passe de mágica.
Continuo a ir em livrarias só pra comprar folhas de papel. Nunca mais nenhuma delas teve o meu traço. Elas são riscadas por uma tinta preta ou colorida que sai de outra maquininha também acionada por um outro botãozinho. Mas será que eu ainda escrevo de fato? Ou será que apenas coloco ideias rápidas – cada vez mais – dentro de um retângulo ligado pelo botãozinho? Meus dedos estão bem exercitados. Pelo menos isso.
Pensando bem acho que agora simplesmente digito pensamentos. Transcrevo aquilo que minha mente consegue distinguir dentre os vários acontecimentos de um dia repleto de informações aleatórias. Não sei como, somente faço. Uma coisa é certa: não tenho mais pensamentos pequenos, simples, cotidianos, mas importantes.
A vida permanece local, óbvio, mas totalmente globalizada, diriam alguns próceres do novo liberalismo. Nunca mais reparei nas crianças brincando na praçinha. Esqueçi como é olhar um menino jogar futebol num campinho sem grama. Até nos momentos em que fico só, sou bombardeado por apelos visuais-estéticos.
A televisão me diz o que preciso ter e o que não posso ter. O que preciso ter, para eles, é o que a maioria das pessoas nunca poderá ter. Roubaram-me o tempo interior; meus devaneios íntimos. Meus anseios não são mais meus; devem estar vagando por algum inconsciente do espaço cibernético. Muitas vezes custo a me reconhecer no espelho; não o do Narciso; o puro e simples reflexo pelo reflexo. Ou melhor: a me conhecer. Algum dia devo ter sabido quem de fato eu era ou fui.
É dificil fugir do emaranhado de conceitos que relativizam ou deixam em dúvida a nossa existência. Mesmo a leitura, o conhecimento, nos deixam cheio de perguntas, para as quais não há respostas. Menos mal: prefiro estar cheio delas a achar que tenho todas. O lugar onde escrevo continua a ser branco; como o branco que nos dá antes de uma provação a esperar ideias que tenham um mínimo de nexo em meio à sociedade em que vivemos. Uma divagação sem fim sobre tudo o que se espera um dia faça sentido.
Mas porque diabos as coisas precisam ter sentido se o mundo em que se vive não faz o menor sentido? Você precisa casar, ter filhos, essas coisas, alguém me disse um dia. Mas por que preciso? Porque socialmente e biologicamente os humanos são feitos pra isso? Por que eu preciso ser feliz? Quem acredita em felicidade a não ser a propaganda?
Eu uso aquele sabão em pó, mas não vejo tudo mais branco; a não ser o espaço que fica na minha frente cada vez que tento dizer algo a mim, a todos ou a simplesmente ninguém; assim como as folhas que guardo na gaveta ao lado: limpas, brancas, impecáveis.
São novas como um dia a Amazônia foi antes do desmatamento. São brilhantes como o céu um dia foi antes da poluição. São parceiras e ficam juntas como um dia foi esse mundo onde você está. Um dia, é provável, tudo desaparecerá: eu, você, o mundo. E as folhas de papel nunca mais serão brancas como ainda são neste momento. Elas, não!

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