sexta-feira, 7 de maio de 2010

A desconfiança de Carlos

Carlos era um cara desconfiado. Achava que todos o perseguiam. Desde criança foi assim. Olhava com receio para os que se aproximavam dele. A família não o entendia. Mandaram-no a psicólogos, psiquiatras, médicos de todas as especialidades, só faltou ser estudado pela Nasa. Nada adiantava para Carlos. Seus pais perderam as esperanças. E disseram:
- Deixa que viva assim, o Carlos. Talvez a vida o modifique.
Sem chance. A vida só o fez piorar. Aumentaram os medos, as dúvidas. Uma vez na escola Carlos quase estrangulou um garoto por pensar que ele estava espionando-o e que mandaria informações suas para os extraterrestres.
A cada ano que passava Carlos ficava pior, e pior e pior...As pessoas começaram a evitá-lo, tal era sua loucura. Já não tinha mais limites. No supermercado, brigava pelo troco de um centavo, sempre alegando e tentando confirmar que queriam passá-lo para trás.
Dizia ele:
- Olha! Viu como ela tava querendo me roubar.
Sua mulher:
- Pára com isso, Carlos. O que você faria com um centavo?
Retrucava:
- Ué, juntando, juntando, se faz alguma coisa...
Até com os filhos reagia desta forma. Ligava para a escola e perguntava se realmente haviam pedido tais materiais, etc...Alguns o chamavam de sovina, mão-de-vaca. Carlos sabia que não se tratava disso.
Tinha sérios problemas, mas eram mais fortes do que ele. Tornara-se um chato. Sua sala no escritório de contabilidade em que trabalhava era fechada a cadeado. Ninguém tinha acesso. Nem o patrão. Caso precisassem de alguma coisa no final de semana, por exemplo, Carlos saía de casa e providenciava. Mas só ele.
Tanto era o grau de descontrole que a vida familiar ia de mal a pior. Perdera o respeito dos filhos. Ele e a mulher só brigavam. Carlos sempre acreditava estar convicto de suas atitudes. Pensava que fazia a coisa certa. Todos tinham culpa: o governo, os bancos, os donos dos monopólios, até os pobres e desempregados, que roubavam dele indiretamente por meio de ajudas que vinham de seus impostos.
O convívio estava insustentável. A mulher não o agüentou mais. Resolveu separar-se de Carlos. Na justiça, ela levou os filhos e a casa em que moravam. Carlos ainda teve de pagar pensão. Sozinho, num quartinho conjugado num hotel qualquer, ele parecia finalmente ter se dado conta do que fizera:
- Eu sempre tive razão...

Texto escrito em 2007. Primeiro a ser postado no blog.

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